Senti a necessidade de te voltar a ouvir, coisa impossível, tu bem o sabes. Ainda te digo mais, hoje roubaram-me uma teoria, assim, à descarada, deu-me uma vontade vinda do outro mundo de lhe espetar um estaladão do tamanho deste, a minha teoria prendia-se à vida e à efemeridade da pétala daquela flôr que tanto gostamos e que gostaria de trazê-la bem cravada no meu corpo, para contrariar a efemeridade da pétala e ficar contigo até a minha pele ser consumida pelos decompositores que anseiam a minha chegada.
"Não há motivo para te importunar a meio da noite,
como não há leite no frigorífico,
nem um limite traçado para a solidão doméstica.
Tudo desaparece.
Nada desaparece.
Tudo desaparece antes de ser dito
e tu queres dormir descansada.
Tens direito a um subsídio de paz.
se eu escrever um poema
esse não é para te importunar.
eu escrevo muitos poemas
e tu trabalhas de manhã cedo.
toda a gente sabe
que a noite é longa.
não tenho o direito de telefonar
para te dizer isso.
apesar dessa evidência
me matar agora.
e morro.
mas não morro.
se morresse, perguntavas:
porque não me telefonaste?
se telefonasse, perguntavas:
sabes que horas são?
ou não atendias.
e eu ficava aqui.
com a noite ainda mais comprida,
com a insónia.
com as palavrasa despegarem-se dos pesadelos"
JLP, Gaveta de Papéis
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