18 de agosto de 2009

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Senti a necessidade de te voltar a ouvir, coisa impossível, tu bem o sabes. Ainda te digo mais, hoje roubaram-me uma teoria, assim, à descarada, deu-me uma vontade vinda do outro mundo de lhe espetar um estaladão do tamanho deste, a minha teoria prendia-se à vida e à efemeridade da pétala daquela flôr que tanto gostamos e que gostaria de trazê-la bem cravada no meu corpo, para contrariar a efemeridade da pétala e ficar contigo até a minha pele ser consumida pelos decompositores que anseiam a minha chegada.

"Não há motivo para te importunar a meio da noite,
como não há leite no frigorífico,
nem um limite traçado para a solidão doméstica.

Tudo desaparece.
Nada desaparece.
Tudo desaparece antes de ser dito
e tu queres dormir descansada.

Tens direito a um subsídio de paz.

se eu escrever um poema
esse não é para te importunar.

eu escrevo muitos poemas
e tu trabalhas de manhã cedo.

toda a gente sabe
que a noite é longa.
não tenho o direito de telefonar
para te dizer isso.

apesar dessa evidência
me matar agora.
e morro.
mas não morro.

se morresse, perguntavas:
porque não me telefonaste?
se telefonasse, perguntavas:
sabes que horas são?
ou não atendias.

e eu ficava aqui.
com a noite ainda mais comprida,
com a insónia.

com as palavrasa despegarem-se dos pesadelos"

JLP, Gaveta de Papéis

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